Nos
Encontramos há mais de 19 séculos daquela comunidade onde pudemos conhecer um
dos vários conflitos das comunidades paulinas. Eram atritos entre simpatizantes
de Paulo, simpatizantes de Apolo, de Cefas ou de Cristo. Os séculos passam, mas
não passam as politizações/ partidarismos de um projeto, infelizmente.
Gostaria
de adentrar, mesmo que superficialmente, naquele momento de conflito na
comunidade de Corinto, para assim trazer algumas provocações, à sociedade
religiosa, civil, política em geral, mas principalmente aos irmãos e irmãs que
se partidarizaram e esqueceram do cerne de seu batismo: Cristo em tudo, Cristo
em todos.
Procuraremos
nos ater aos versículos de dez a quinze do primeiro capítulo da primeira carta
aos Coríntios.
“Eu
vos exorto, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo: guardai a concórdia
uns com os outros, de sorte que não haja divisões entre vós. Sede estreitamente
unidos no mesmo espírito e no mesmo modo de pensar. Com efeito, meus irmãos,
pessoas da casa de Cloé me informaram de que existem rixas entre vós.
Explico-me: cada um de vós diz: ’Eu sou de Paulo!’, ou ‘Eu sou de Apolo!’, ou
‘Eu sou de Cefas!’, ou ‘Eu sou de Cristo!’ Cristo estaria assim dividido? Paulo
teria sido crucificado em vosso favor? Ou fostes batizados em nome de Paulo?
Dou graças a Deus por não ter batizado ninguém de vós a não ser Crispo e Caio.
Assim ninguém pode dizer que foi batizado em meu nome.”
(1 Cor 1, 10-15)
Corinto,
era uma rica cidade, onde a riqueza de uma minoria contrastava com a miséria de
muitos, em sua maioria escravos. Eis o primeiro ponto de divisão. Paulo esteve
nesta comunidade mais ou menos um ano e meio. Ali fundou uma comunidade cristã.
A esta comunidade Paulo dedicou duas cartas. As discórdias e os escândalos
ameaçavam essa comunidade, já tão fragilizada pelas diferenças sociais e
culturais, forte característica de cidades portuárias. Paulo trata na primeira
parte da carta aos Coríntios sobre a unidade em Cristo e o auge do conflito
ideológico se encontra exatamente no capítulo um desta carta.
O
que se nota desta comunidade é sua pluralidade cultural, religiosa, social e
ideológica. Aqui já se acena o porquê dos conflitos iniciais na nova
comunidade.
A
princípio conheçamos os “partidos” ou as figuras que influenciavam o pensamento
da comunidade.
a) Os
que “se dizem de Paulo”. Esse grupo ao que parece são de cristãos fiéis a
pregação de Paulo, na qualidade de fundador da comunidade. Ele se identifica
com o seu modo de viver e anunciar o evangelho.
b) O
segundo grupo é os que “se dizem de Apolo”, um judeu natural de Alexandria, no
Egito, conhecedor da Lei e das tradições do seu povo. Apolo foi um missionário que esteve em
Corinto, excelente orador e pregador do evangelho; provavelmente esse perfil de
intelectual atraiu alguns membros da comunidade de Corinto. (At 18,24-28).
c) Um
outro grupo presente é dos que “se dizem de Pedro”. Supõe-se que suas ideias
são conhecidas e aceitas por membros da comunidade. (3,22; 9,5; 15,5).
Principalmente por parte dos judaizantes.
d) Há
ainda os que “se dizem ser de Cristo”. Não é claro se este grupo chegou pelo
menos a existir. Algumas possibilidades
são apontadas em alguns estudos: a primeira é que o próprio Paulo, reagindo às
divisões, pode ter usado o título “Cristo” a fim de apontar para o único
fundamento. Outra possibilidade é que esse grupo seja formado por pessoas que
se põem fora das divisões e conflitos da comunidade, que não se envolvem nem
tomam partido nas discussões.
A partir daqui já se consegue desenhar
a grande confusão formada na comunidade.
Paulo aponta um caminho para superação do
conflito. Centrar a vida e as escolhas da comunidade em Jesus Crucificado: “Cristo
estaria assim dividido? Paulo teria sido crucificado em vosso favor? Ou fostes
batizados em nome de Paulo?” (1, 13)
Ao resgatar a pessoa de Jesus Cristo na
comunidade, Paulo quer chamar a atenção a alguns perigos:
a) A
absolutização de pessoas, de lideranças que apenas estão a serviço;
b) A
instrumentalização da mensagem de Jesus Cristo;
c) A
divisão e partidarização dos membros da comunidade;
d) A
deturpação e falsificação da função dos líderes;
e) O
distanciamento da comunidade do projeto salvífico de Deus.
Paulo se preocupa também em reestabelecer
a unidade da comunidade cristã, mostrar o verdadeiro e único mestre que é
Cristo, que se entregou na cruz.
Cristo é o elo de unidade dos irmãos. O
sacrifício dele na cruz sela essa unidade.
Ao Olhar para este texto, diríamos a
partir da primeira carta, que é possível ver muitas semelhanças com o cenário
na qual se apresenta hoje. No campo religioso, social, cultural, político e
este último de forma mais atordoada, causando sérios impactos em outras
dimensões.
Vivemos um tempo marcadamente
conflituoso, principalmente no campo das ideias. Facilmente se desvia de uma
situação real ou mais urgente por questões de diferenças ou indiferenças.
Enormes desafios sociais, econômicos, familiares, e um povo, uma família, uma
equipe de trabalho, um governo, divido por seus interesses. Endeusamos pessoas
por agradarem meu/nosso ego, meu/nosso grupo, “minhas/nossas” ideias e
concepções. Surge a amnésia espiritual, intelectual, mental. Esquecemos a que
família original pertencemos, a família humana.
Há algum tempo se discutia sobre mudança
de época ou época de mudanças. No hoje, que termo poderia ser usado? Parece que
procuramos identificar em que época nos encontramos. Há várias teorias, mas não
é sobre as teorias que precisamos discursar. É sobre que tempo quereremos
viver. Como viver este tempo e o que virá. Vemos que a tecnologia nos aproxima
ao mesmo tempo que nos distância.
O advento das fake News tem sido
combustível nas veias de nossa gente, dos bem e dos mal intencionados. A
intolerância e o radicalismo tem sido umas das marcas, senão, sintomas do
comportamento pessoal e coletivo (pequenos grupos). Uns dizem “sou de
esquerda”, outros dizem “sou de direita”, uns dizem sou B, outros sou L. há
aqueles que se dizem de “centro” e ainda aqueles que dizem “não sou nada” esse
grupo é especialmente “perigoso”.
Estamos fragmentados por ideologias e
figuras que se dizem grandes líderes, não duvido de sua capacidade de
liderança, mas é preciso ponderar sobre a saudabilidade de sua liderança. Mesmo
em meio ao avanço da comunicação, principalmente pelas mídias sociais, ainda
sofremos com a triste realidade das manipulações e essas tão agressivas como
outrora. Criaram-se guetos, em detrimento da família humana. Queremos líderes
que governem para o nosso grupo, para defender nossos interesses, mas nos
esquecemos dos “diferentes”, e que nem sempre nossos interesses atendem a
necessidade da totalidade de um povo, uma nação, uma família, uma pastoral, um
conselho.
Diante de um mundo fragmentado e pessoas
aos pedaços, existe um clamor evangélico, que Jesus pregava ao povo, que Paulo
indicava a comunidade de Corinto e que hoje a Igreja conclama, “Cristo uniu em
si toda a história, todos os povos, todos os corações, congregou na cruz toda a
humanidade com seus sofrimentos e glórias”.
Há que se resgatar a unidade, há que se resgatar o bem comum, em todas
as instâncias, religiosa, política, social, enfim o todo. Não foi um líder
religioso, ou padre famoso, ou líder político, ou líder comunitário, ou líder
sindical que morreu por nós. Não foram estes que se sacrificaram para
reconciliar o que estava rompido. Foi Jesus Cristo, que por sinal não se filiou
a nenhum partido ou grupo da época, pois sua mensagem precisava estar livre
para comprometer principalmente que não podia pertencer aos ditos grupos da
época.
Paulo na carta aos Coríntios afirma que a
comunidade é o corpo de Cristo. A cooperação entre seus membros é fundamental
(12, 12ss). À comunidade de Colossas, Paulo é enfático ao dizer que Cristo é a
cabeça do corpo que é a igreja, a comunidade (Cl 1, 18). Portanto, o centro de
onde emana todas as energias e ações é Cristo e o projeto do Reino de Deus. Que
o projeto do Pai, realizado em Jesus Cristo, projeto de justiça, paz e unidade
se faça realidade em nosso meio. Que a partir dessa premissa a humanidade, as
comunidades, possam restaurar seu projeto de vida, um projeto comum onde a vida
seja valor fundamental e objetivo de todas as ações. Que os cidadãos alcancem a
maturidade para construir uma sociedade que se preocupa e protege os seus.
Enfim relembremos no canto a finalidade da Palavra.
Palavra não foi
feita para dividir ninguém, palavra é uma ponte onde o amor vai e vem.
Palavra não foi
feita para dominar, destino da Palavra é dialogar; Palavra não foi feita para a
opressão, destino da Palavra é a união. ...
Palavra não foi feita
para semear, a dúvida, a tristeza e o mal-estar, destino da Palavra é a
construção de um mundo mais feliz e mais irmão.
REFERÊNCIAS
A missão de Paulo em Corinto.
Julho 2002. Disponível em:
<https://www.paulinas.org.br>. Acesso em 26 jun.
2020
O amor jamais
passará: uma introdução a primeira carta aos Coríntios. Disponível
em <https://www.vidapastoral.com.br>.
Acesso em 26 jun. 2020.
Bíblia
Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2010.
Bíblia
Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990.
Rivero,
Antônio. Curso bíblico para Leigos: A riqueza da Palavra de Deus -
Antigo e Novo Testamento. Juíz de Forea, MG: Martyria, 2014.
Texto escrito por Ir. Cida Lima, MSF