terça-feira, 30 de junho de 2020

DIVISÕES NA COMUNIDADE: DIVISÕES NA COMUM UNIDADE


Nos Encontramos há mais de 19 séculos daquela comunidade onde pudemos conhecer um dos vários conflitos das comunidades paulinas. Eram atritos entre simpatizantes de Paulo, simpatizantes de Apolo, de Cefas ou de Cristo. Os séculos passam, mas não passam as politizações/ partidarismos de um projeto, infelizmente.  
Gostaria de adentrar, mesmo que superficialmente, naquele momento de conflito na comunidade de Corinto, para assim trazer algumas provocações, à sociedade religiosa, civil, política em geral, mas principalmente aos irmãos e irmãs que se partidarizaram e esqueceram do cerne de seu batismo: Cristo em tudo, Cristo em todos.
Procuraremos nos ater aos versículos de dez a quinze do primeiro capítulo da primeira carta aos Coríntios.
“Eu vos exorto, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo: guardai a concórdia uns com os outros, de sorte que não haja divisões entre vós. Sede estreitamente unidos no mesmo espírito e no mesmo modo de pensar. Com efeito, meus irmãos, pessoas da casa de Cloé me informaram de que existem rixas entre vós. Explico-me: cada um de vós diz: ’Eu sou de Paulo!’, ou ‘Eu sou de Apolo!’, ou ‘Eu sou de Cefas!’, ou ‘Eu sou de Cristo!’ Cristo estaria assim dividido? Paulo teria sido crucificado em vosso favor? Ou fostes batizados em nome de Paulo? Dou graças a Deus por não ter batizado ninguém de vós a não ser Crispo e Caio. Assim ninguém pode dizer que foi batizado em meu nome.” (1 Cor 1, 10-15)
Corinto, era uma rica cidade, onde a riqueza de uma minoria contrastava com a miséria de muitos, em sua maioria escravos. Eis o primeiro ponto de divisão. Paulo esteve nesta comunidade mais ou menos um ano e meio. Ali fundou uma comunidade cristã. A esta comunidade Paulo dedicou duas cartas. As discórdias e os escândalos ameaçavam essa comunidade, já tão fragilizada pelas diferenças sociais e culturais, forte característica de cidades portuárias. Paulo trata na primeira parte da carta aos Coríntios sobre a unidade em Cristo e o auge do conflito ideológico se encontra exatamente no capítulo um desta carta.
O que se nota desta comunidade é sua pluralidade cultural, religiosa, social e ideológica. Aqui já se acena o porquê dos conflitos iniciais na nova comunidade.
A princípio conheçamos os “partidos” ou as figuras que influenciavam o pensamento da comunidade.
a) Os que “se dizem de Paulo”. Esse grupo ao que parece são de cristãos fiéis a pregação de Paulo, na qualidade de fundador da comunidade. Ele se identifica com o seu modo de viver e anunciar o evangelho.
b) O segundo grupo é os que “se dizem de Apolo”, um judeu natural de Alexandria, no Egito, conhecedor da Lei e das tradições do seu povo.   Apolo foi um missionário que esteve em Corinto, excelente orador e pregador do evangelho; provavelmente esse perfil de intelectual atraiu alguns membros da comunidade de Corinto.  (At 18,24-28).
c) Um outro grupo presente é dos que “se dizem de Pedro”. Supõe-se que suas ideias são conhecidas e aceitas por membros da comunidade. (3,22; 9,5; 15,5). Principalmente por parte dos judaizantes. 
d) Há ainda os que “se dizem ser de Cristo”. Não é claro se este grupo chegou pelo menos a existir.  Algumas possibilidades são apontadas em alguns estudos: a primeira é que o próprio Paulo, reagindo às divisões, pode ter usado o título “Cristo” a fim de apontar para o único fundamento. Outra possibilidade é que esse grupo seja formado por pessoas que se põem fora das divisões e conflitos da comunidade, que não se envolvem nem tomam partido nas discussões.
          A partir daqui já se consegue desenhar a grande confusão formada na comunidade.
Paulo aponta um caminho para superação do conflito. Centrar a vida e as escolhas da comunidade em Jesus Crucificado: “Cristo estaria assim dividido? Paulo teria sido crucificado em vosso favor? Ou fostes batizados em nome de Paulo?” (1, 13)
Ao resgatar a pessoa de Jesus Cristo na comunidade, Paulo quer chamar a atenção a alguns perigos:
a)    A absolutização de pessoas, de lideranças que apenas estão a serviço;
b)    A instrumentalização da mensagem de Jesus Cristo;
c)     A divisão e partidarização dos membros da comunidade;
d)    A deturpação e falsificação da função dos líderes;
e)     O distanciamento da comunidade do projeto salvífico de Deus.
Paulo se preocupa também em reestabelecer a unidade da comunidade cristã, mostrar o verdadeiro e único mestre que é Cristo, que se entregou na cruz.
Cristo é o elo de unidade dos irmãos. O sacrifício dele na cruz sela essa unidade.
Ao Olhar para este texto, diríamos a partir da primeira carta, que é possível ver muitas semelhanças com o cenário na qual se apresenta hoje. No campo religioso, social, cultural, político e este último de forma mais atordoada, causando sérios impactos em outras dimensões.
Vivemos um tempo marcadamente conflituoso, principalmente no campo das ideias. Facilmente se desvia de uma situação real ou mais urgente por questões de diferenças ou indiferenças. Enormes desafios sociais, econômicos, familiares, e um povo, uma família, uma equipe de trabalho, um governo, divido por seus interesses. Endeusamos pessoas por agradarem meu/nosso ego, meu/nosso grupo, “minhas/nossas” ideias e concepções. Surge a amnésia espiritual, intelectual, mental. Esquecemos a que família original pertencemos, a família humana.
Há algum tempo se discutia sobre mudança de época ou época de mudanças. No hoje, que termo poderia ser usado? Parece que procuramos identificar em que época nos encontramos. Há várias teorias, mas não é sobre as teorias que precisamos discursar. É sobre que tempo quereremos viver. Como viver este tempo e o que virá. Vemos que a tecnologia nos aproxima ao mesmo tempo que nos distância.
O advento das fake News tem sido combustível nas veias de nossa gente, dos bem e dos mal intencionados. A intolerância e o radicalismo tem sido umas das marcas, senão, sintomas do comportamento pessoal e coletivo (pequenos grupos). Uns dizem “sou de esquerda”, outros dizem “sou de direita”, uns dizem sou B, outros sou L. há aqueles que se dizem de “centro” e ainda aqueles que dizem “não sou nada” esse grupo é especialmente “perigoso”.
Estamos fragmentados por ideologias e figuras que se dizem grandes líderes, não duvido de sua capacidade de liderança, mas é preciso ponderar sobre a saudabilidade de sua liderança. Mesmo em meio ao avanço da comunicação, principalmente pelas mídias sociais, ainda sofremos com a triste realidade das manipulações e essas tão agressivas como outrora. Criaram-se guetos, em detrimento da família humana. Queremos líderes que governem para o nosso grupo, para defender nossos interesses, mas nos esquecemos dos “diferentes”, e que nem sempre nossos interesses atendem a necessidade da totalidade de um povo, uma nação, uma família, uma pastoral, um conselho.
Diante de um mundo fragmentado e pessoas aos pedaços, existe um clamor evangélico, que Jesus pregava ao povo, que Paulo indicava a comunidade de Corinto e que hoje a Igreja conclama, “Cristo uniu em si toda a história, todos os povos, todos os corações, congregou na cruz toda a humanidade com seus sofrimentos e glórias”.  Há que se resgatar a unidade, há que se resgatar o bem comum, em todas as instâncias, religiosa, política, social, enfim o todo. Não foi um líder religioso, ou padre famoso, ou líder político, ou líder comunitário, ou líder sindical que morreu por nós. Não foram estes que se sacrificaram para reconciliar o que estava rompido. Foi Jesus Cristo, que por sinal não se filiou a nenhum partido ou grupo da época, pois sua mensagem precisava estar livre para comprometer principalmente que não podia pertencer aos ditos grupos da época.
Paulo na carta aos Coríntios afirma que a comunidade é o corpo de Cristo. A cooperação entre seus membros é fundamental (12, 12ss). À comunidade de Colossas, Paulo é enfático ao dizer que Cristo é a cabeça do corpo que é a igreja, a comunidade (Cl 1, 18). Portanto, o centro de onde emana todas as energias e ações é Cristo e o projeto do Reino de Deus. Que o projeto do Pai, realizado em Jesus Cristo, projeto de justiça, paz e unidade se faça realidade em nosso meio. Que a partir dessa premissa a humanidade, as comunidades, possam restaurar seu projeto de vida, um projeto comum onde a vida seja valor fundamental e objetivo de todas as ações. Que os cidadãos alcancem a maturidade para construir uma sociedade que se preocupa e protege os seus. Enfim relembremos no canto a finalidade da Palavra.
Palavra não foi feita para dividir ninguém, palavra é uma ponte onde o amor vai e vem.
Palavra não foi feita para dominar, destino da Palavra é dialogar; Palavra não foi feita para a opressão, destino da Palavra é a união. ...
Palavra não foi feita para semear, a dúvida, a tristeza e o mal-estar, destino da Palavra é a construção de um mundo mais feliz e mais irmão.

REFERÊNCIAS
A missão de Paulo em Corinto. Julho 2002. Disponível em: <https://www.paulinas.org.br>. Acesso em 26 jun. 2020
O amor jamais passará: uma introdução a primeira carta aos Coríntios. Disponível em <https://www.vidapastoral.com.br>. Acesso em 26 jun. 2020.
Bíblia Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2010.
Bíblia Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990.
Rivero, Antônio. Curso bíblico para Leigos: A riqueza da Palavra de Deus - Antigo e Novo Testamento. Juíz de Forea, MG: Martyria, 2014.
Texto escrito por Ir. Cida Lima, MSF