segunda-feira, 27 de julho de 2020

Estudo Bíblico


FUNDAMENTALISMO BÍBLICO EM TEMPOS DE CRISE
Por Ir. Cida Lima, MSF
Assim nos define o dicionário sobre o termo fundamentalismo: “Toda ideologia, movimento ou ação conservadora que afirma ser essencial a obediência excessiva e literal de quaisquer noções básicas.” E mais especificamente nos trouxe esta outra definição: “Doutrina ou prática das religiões que interpretam de modo literal as escrituras sagradas. Movimento religioso que, originado entre os protestantes dos E.U.A., é definido pela interpretação literal da Bíblia.”
A partir daqui já temos uma boa base para nossa reflexão.
Carlos Mesters já dizia, que “em todas as épocas da história, sobretudo em épocas de crise como a nossa, voltamos alimentar-nos da Bíblia. Pois acreditamos que este livro tem a ver com Deus. A fé nos diz que a Bíblia é a Palavra de Deus para nós.”
Essa afirmação de Mesters, nos recorda o que o Profeta Amós declarou: “Nós temos fome e sede de ouvir a Palavra de Deus” (Am 8,11). De tempos em tempos essa sede aperta, e faz com que aconteça uma explosão de mensagens bíblicas, espalhadas nos diversos meios de comunicação e de diversas formas. É importante destacar a preciosidade que é essa busca, essa procura de ressignificar o sofrimento, e alegrias por meio daquele que podemos considerar um testamento e uma carta de amor de Deus a humanidade. Construída com a colaboração do próprio ser humano.
Não pretendo refletir aqui sobre exegese, hermenêutica, ou história bíblica. Apenas quero fazer uma provocação ao modo como temos tratado a mensagem bíblica num contexto de extremos na qual vivemos. Principalmente alertar sobre o grande perigo da manipulação da Palavra de Deus a fim de justificar meios, fins e os conceitos e pré-conceitos que temos, como indivíduos ou grupos.
Os biblistas sempre alertam sobre o cuidado na leitura e interpretação bíblica. Pe. Ray, um biblista contemporâneo adverte parafraseando: é preciso “ler o texto, dentro do contexto, para não ter pretexto de distorcer o texto”. Não podemos levar a bíblia ao pé da letra, tim-tim-por-tim-tim. A bíblia foi escrita em determinadas épocas e circunstâncias históricas, com a linguagem típica do tempo. Algumas situações são parecidas com as que vivemos hoje e outas não. Trata-se, portanto, de atualizá-la em nosso dia-a-dia e não de fazer um control c e control v – copia e cola.
Nossas comunidades passaram por grandes transformações, sejam internas ou externas. Principalmente após o Concílio Vaticano II que trouxe a valorização dos leigos e leigas como agentes de propagação da fé. A formação teológica-pastoral teve seus avanços. Mas não de maneira suficiente que abarcasse as lideranças de nossas comunidades, em sua maioria leigos e em sua maioria, mulheres. Assim é explicável a problemática das ditas “catequeses fracas”, das limitações nas reflexões bíblico-catequéticas que nossos irmãos estão sujeitos.  Daí surge o que titulei mais acima, a problemática do fundamentalismo bíblico.
Desta forma explicita Maria Apª Duque e Romi Auth:
Se há algum conhecimento bíblico, este permaneceu muitas vezes em alguma noções iniciais e numa interpretação por vezes literal e fundamentalista que receberam na infância e adolescência, em sua iniciação catequética. Mesmo não tendo maiso conhecimento da Bíblia, as pessoas carregam valores, conhecimentos e vivências humanas e religiosas ricas e diversificadas.
É preciso dizer, que a problemática não é só a limitação nos níveis de formação, mas de modo difícil é preciso reconhecer que alguns que tiveram a oportunidade de melhor se formarem nesta linha -para melhor conduzir e formar o povo- , deturpam a mensagem evangélica de maneira infantil e inconsequente. Opta-se letárgicamente por ficar na superfície, sem ter o custoso, mas frutuoso trabalho de investigação e atualização da mensagem bíblica.
Mais constrangedor é quando essas distorções estão a serviço de um mercado, seja ele do medo, seja do consumismo, entre outros. É gritante as ideias que se difundem por aí: terra que se vende no céu (Mt 13, 44-46) , o fim do mundo (Mt 13, 40-41;49), a salvação de um grupinho específico (Ap 7,4), pragas e doenças como castigo de Deus (Dt 28, 59), doenças e ações como obras demoníacas (Jo 13,2 e Lc 11, 14), e tantas outras que são fundamentadas  biblicamente e deturpadas em seu sentido histórico, cultural e teológico. E muitas são as distorções segundo suas carências e, ou conveniências.
O que está em voga aqui é mais do que o grande respeito que devemos para com a Sagrada Escritura, é o respeito ao ser humano, destinatário da mensagem de Deus. É o respeito com a revelação de Deus ao ser humano. “Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade.” (DV 2). A Dei Verbum ainda enfatiza: “nos livros sagrados , o Pai que está nos céus vem amorosamente ao encontro dos seus filhos a conversar com eles; e é tão grande a força e a virtude da Palavra de Deus, que se torna o apoio vigoroso da Igreja, a solidez da fé para os filhos da Igreja... (21)”. É não transformar a experiência de Deus numa experiência amedrontadora, mas sim esperançosa, prazerosa, amorosa e profética.

REFERÊNCIAS
Fundamentalismo. Disponível em: https://www.dicio.com.br. Acesso em 17 de jul. 2020.
Nova Bíblia Pastoral. São Paulo: Paulus, 2014
Verbum, Dei: Constituição dogmática sobre a revelação divina. 14ª ed. São Paulo: Paulinas 2007.
Duque, Maria Aparecida e Auth, Romi. O Estudo da Bíblia em Dinâmicas: Aprofundamento da Visão Global da Bíblia. São Paulo: Paulinas,2011
Mesters, Frei Carlos. Bíblia: Livro feito em mutirão. São Paulo: Paulus,1993.