FUNDAMENTALISMO
BÍBLICO EM TEMPOS DE CRISE
Por Ir. Cida Lima, MSF
Assim
nos define o dicionário sobre o termo fundamentalismo: “Toda ideologia, movimento ou
ação conservadora que afirma ser essencial a obediência excessiva e literal de
quaisquer noções básicas.” E mais especificamente nos trouxe esta outra
definição: “Doutrina ou
prática das religiões que interpretam de modo literal as escrituras sagradas.
Movimento religioso que, originado entre os protestantes dos E.U.A., é definido
pela interpretação literal da Bíblia.”
A
partir daqui já temos uma boa base para nossa reflexão.
Carlos
Mesters já dizia, que “em todas as épocas da história, sobretudo em épocas de
crise como a nossa, voltamos alimentar-nos da Bíblia. Pois acreditamos que este
livro tem a ver com Deus. A fé nos diz que a Bíblia é a Palavra de Deus para
nós.”
Essa
afirmação de Mesters, nos recorda o que o Profeta Amós declarou: “Nós temos
fome e sede de ouvir a Palavra de Deus” (Am 8,11). De tempos em tempos essa
sede aperta, e faz com que aconteça uma explosão de mensagens bíblicas,
espalhadas nos diversos meios de comunicação e de diversas formas. É importante
destacar a preciosidade que é essa busca, essa procura de ressignificar o
sofrimento, e alegrias por meio daquele que podemos considerar um testamento e
uma carta de amor de Deus a humanidade. Construída com a colaboração do próprio
ser humano.
Não
pretendo refletir aqui sobre exegese, hermenêutica, ou história bíblica. Apenas
quero fazer uma provocação ao modo como temos tratado a mensagem bíblica num
contexto de extremos na qual vivemos. Principalmente alertar sobre o grande
perigo da manipulação da Palavra de Deus a fim de justificar meios, fins e os
conceitos e pré-conceitos que temos, como indivíduos ou grupos.
Os
biblistas sempre alertam sobre o cuidado na leitura e interpretação bíblica.
Pe. Ray, um biblista contemporâneo adverte parafraseando: é preciso “ler o
texto, dentro do contexto, para não ter pretexto de distorcer o texto”. Não
podemos levar a bíblia ao pé da letra, tim-tim-por-tim-tim. A
bíblia foi escrita em determinadas épocas e circunstâncias históricas, com a
linguagem típica do tempo. Algumas situações são parecidas com as que vivemos
hoje e outas não. Trata-se, portanto, de atualizá-la em nosso dia-a-dia e não
de fazer um control c e control v – copia e cola.
Nossas
comunidades passaram por grandes transformações, sejam internas ou externas.
Principalmente após o Concílio Vaticano II que trouxe a valorização dos leigos
e leigas como agentes de propagação da fé. A formação teológica-pastoral teve
seus avanços. Mas não de maneira suficiente que abarcasse as lideranças de
nossas comunidades, em sua maioria leigos e em sua maioria, mulheres. Assim é
explicável a problemática das ditas “catequeses fracas”, das limitações nas reflexões
bíblico-catequéticas que nossos irmãos estão sujeitos. Daí surge o que titulei mais acima, a
problemática do fundamentalismo bíblico.
Desta
forma explicita Maria Apª Duque e Romi Auth:
Se
há algum conhecimento bíblico, este permaneceu muitas vezes em alguma noções
iniciais e numa interpretação por vezes literal e fundamentalista que receberam
na infância e adolescência, em sua iniciação catequética. Mesmo não tendo maiso
conhecimento da Bíblia, as pessoas carregam valores, conhecimentos e vivências
humanas e religiosas ricas e diversificadas.
É
preciso dizer, que a problemática não é só a limitação nos níveis de formação,
mas de modo difícil é preciso reconhecer que alguns que tiveram a oportunidade
de melhor se formarem nesta linha -para melhor conduzir e formar o povo- ,
deturpam a mensagem evangélica de maneira infantil e inconsequente. Opta-se letárgicamente
por ficar na superfície, sem ter o custoso, mas frutuoso trabalho de
investigação e atualização da mensagem bíblica.
Mais
constrangedor é quando essas distorções estão a serviço de um mercado, seja ele
do medo, seja do consumismo, entre outros. É gritante as ideias que se difundem
por aí: terra que se vende no céu (Mt 13, 44-46) , o fim do mundo (Mt 13,
40-41;49), a salvação de um grupinho específico (Ap 7,4), pragas e doenças como
castigo de Deus (Dt 28, 59), doenças e ações como obras demoníacas (Jo 13,2 e
Lc 11, 14), e tantas outras que são fundamentadas biblicamente e deturpadas em seu sentido histórico,
cultural e teológico. E muitas são as distorções segundo suas carências e, ou
conveniências.
O
que está em voga aqui é mais do que o grande respeito que devemos para com a
Sagrada Escritura, é o respeito ao ser humano, destinatário da mensagem de
Deus. É o respeito com a revelação de Deus ao ser humano. “Aprouve a Deus, na
sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e dar a conhecer o mistério da
sua vontade.” (DV 2). A Dei Verbum ainda
enfatiza: “nos livros sagrados , o Pai que está nos céus vem amorosamente ao
encontro dos seus filhos a conversar com eles; e é tão grande a força e a
virtude da Palavra de Deus, que se torna o apoio vigoroso da Igreja, a solidez
da fé para os filhos da Igreja... (21)”. É não transformar a experiência de
Deus numa experiência amedrontadora, mas sim esperançosa, prazerosa, amorosa e
profética.
REFERÊNCIAS
Nova Bíblia
Pastoral. São Paulo: Paulus, 2014
Verbum, Dei: Constituição
dogmática sobre a revelação divina. 14ª ed. São Paulo: Paulinas 2007.
Duque, Maria
Aparecida e Auth, Romi. O Estudo da Bíblia em Dinâmicas: Aprofundamento da
Visão Global da Bíblia. São Paulo: Paulinas,2011
Mesters, Frei
Carlos. Bíblia: Livro feito em mutirão. São Paulo: Paulus,1993.