Ir. Maria Aparecida de Sousa Lima
Estamos encerrando o mês de setembro, mês da Bíblia, mas com ele não se encerra o compromisso diário com a Palavra de Deus.
Devemos estar sempre atentos e vigilantes (Cf. Mc 13, 33) pois Deus se comunica a todo instante e de diversas formas. A bíblia é um dos mais eficientes instrumentos da comunicação de Deus.
Quando estamos abertos a escuta e meditação da Palavra, algo novo pode acontecer em nossas vidas. À medida que amadurecemos nossa relação com a Palavra de Deus, e lhe damos o devido lugar em nossa oração diária, uma transformação pode acontecer. Podemos adquirir ou reforçar os valores e atitudes que melhoram nossa presença no mundo, na sociedade e na comunidade.
Gostaria de partilhar com aqueles que acompanham nosso blog, a força e o poder que a Palavra de Deus tem. Não vou fazer exposições teológicas ou catequéticas, mas partilho um testemunho de oração com a Palavra de Deus. Trago dois relatos, dois textos bíblicos e a descoberta, e provocações que estas palavras fizeram em minha vida. Como ela me ajudou até no autoconhecimento e percepção de minhas limitações humanas, e como Deus o fez de maneira tão sutil e delicada através de sua Palavra.
Lembremos quando a Palavra de Deus nos toca profundamente, é Deus conosco falando e nos abraçando.
Por volta dos meus 15 a 16 anos, não me lembro ao certo, ganhei minha primeira bíblia, uma bíblia pequena, capa com zíper, da editora Ave Maria. Se tornou meu pequeno grande tesouro. Foi nela que sublinhei os textos que aqui partilharei. Hoje, anos mais tarde, tenho outras preferências de tradução e edição, no entanto esta pequena bíblia me acompanha como um tesouro, como um baú de tesouros.
Farei correr arroios pela estepe (Is 43, 1-21)
Numa bela manhã de sábado, não me recordo o ano, mas acredito que tenha sido um mês como este, só me recordo que estava na transição da adolescência para a vida adulta. Estando num encontro de pastoral, o assessor apresentou aos participantes a leitura orante da Palavra de Deus. Foi meu primeiro contato com o método. Ele motivou a oração pessoal do referido texto bíblico de Isaías 43, 1-21. Me recordo que no café da manhã naquele dia, me coloquei a observar as pessoas, o jeito de falarem, de se vestirem, de se comportarem. Um jovem, me chamou atenção, de forma negativa, não sei o nome dele e nunca mais o vi, mas ele sem dizer uma só palavra me fez conhecer um aspecto em mim, que precisaria ser reformulado. O jovem estava com seus amigos e irmãos de caminhada, parecia estar naquele grupo há pouco tempo, ainda em adaptação. No entanto, fiquei incomodada com os trejeitos e com algumas marcas no corpo amostras (tatuagem e piercing). Fiquei de longe observando e fazendo minhas análises e meus pré-julgamentos. E fiquei com essa visão deturpada do meu irmão, até o momento em que abri a bíblia e comecei a rezar o texto de Isaías. Quando cheguei no 4º passo da leitura orante – a contemplação – me recordei do jovem que vi pela manhã.
Esses versículos em especial me fizeram acordar pra vida e questionavam a minha postura:
Porque és precioso a meus olhos, porque eu te aprecio e te amo, permuto reinos por ti, entrego nações em troca de ti. (V. 4)
• Todos somos preciosos aos olhos de Deus.
• Todos temos valor, independentemente de onde viemos e qual marca trazemos.
• Jesus não morreu e ressuscitou só para um grupinho seleto, mas Jesus se deu todo por inteiro pela salvação da humanidade.
Eis o que diz o Senhor que abriu uma passagem através do mar, um caminho em meio às ondas, (V. 16)
• Sempre haverá aqueles que abrem novos caminhos. Fará nascer esperança onde parece não haver mais solução.
Porque eis que vou fazer obra nova, a qual já surge: não a vedes? Vou abrir uma via pelo deserto, e fazer correr arroios pela estepe. (V. 19)
• Deus é grande e bondoso o bastante para fazer brotar água da rocha e um riacho no deserto.
• De onde nós não esperamos que saia algo bom, Deus faz vir coisas boas.
• É Deus que resgata a dignidade do ser humano. Ele acredita no potencial humano e tem esperança na humanidade.
Diante disso pude perceber que meu preconceito me cegava diante da dignidade do meu irmão. O pseudo-puritanismo (falsa pureza) acaba nos afastado de nós e do outro. Esse texto me fez compreender que não importa o que fizemos, mas o que estamos dispostos a fazer de bom por si e pelo outro. Aquela postura preconceituosa que tive também se apresenta na Igreja e na sociedade a medida que não se dá oportunidade àqueles que querem contribuir positivamente pra construção da sociedade e da comunidade eclesial; quando as aparências se tornam critério para integração ou investimento, condenando-os ao isolamento ou a exclusão. Isso não significa que resolvi todos os meus pré-conceitos, infelizmente não, mas me ajudou a assumir uma limitação e a trabalhar para que isso seja superado da forma mais humana possível.
Um tempo para cada coisa (Ecle 3, 1-15)
Esse texto foi uma das leituras da liturgia diária deste mês de setembro. Me emocionei ao lê-la e relembrar de como ela foi um arrimo, um suporte em minha juventude. Numa noite, quando rezava na sala de casa, sentada sobre um velho sofá, em mais uma das crises agudas do início da juventude, com suas inquietações e ansiedades, ao abrir a bíblia me deparei com um dos textos mais belos e profundos do antigo testamento. Senti a providência de Deus a me guiar com sua Palavra mais uma vez.
Os versículos de 1 a 8 foram como calmante e brisa leve, me levou a reformular minha forma de ver e de viver a vida:
Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus:
Tempo para nascer, e tempo para morrer; tempo para plantar e tempo para arrancar o que foi plantado;
Tempo para matar, e tempo para sarar; tempo para demolir, e tempo para construir;
Tempo para chorar, e tempo para rir; tempo para gemer, e tempo para dançar;
Tempo para atirar pedras, e tempo para ajuntá-las; tempo para dar abraços, e tempo para apartar-se.
Tempo para procurar, e tempo para perder; tempo para guardar, e tempo para jogar fora;
Tempo para rasgar, e tempo para costurar; tempo para calar, e tempo para falar;
Tempo para amar, e tempo para odiar; tempo para a guerra e tempo para a paz;
Percebi que a auto suficiência, é um mau do ser humano que sempre o coloca em perigo; o achar que só ele mesmo e suas forças se bastam. Descobri que o kronos – tempo cronológico – é limitado, mas o Kairós – tempo de Deus – não tem fim, e que é preciso sabedoria e paciência para reconhecê-lo. Muitas inquietações e crises tiram o sono de adultos, jovens, crianças e idosos. Acredito que esta Palavra pode ajudar a buscar uma qualidade de vida, pois deixa claro que não somos e não precisamos ser deuses, que não temos e não precisamos ter o domínio do tempo, mas bem viver cada momento.
Não se entregar ao desespero dos tempos de desolação, como estes que temos vivido, neste quadro de pandemia e problemas sócio-políticos, mas crer que o tempo de calmaria esta por vir. Tempo esse, construído hoje não na auto suficiência humana, mas na confiança divina, sem querer atropelar situações e pessoas.
Neste quesito também não estou plenamente resolvida, mas como disse anteriormente, estou mais consciente e a partir disso posso buscar meios para continuar superando alguns limites e amadurecer, como ser humano e como cristã.
A Palavra de Deus não vai resolver os problemas num passe de mágica, mas vai nos dar ferramentas para termos condições de estar, entrar e vencer as batalhas. Assim sendo cultivemos a leitura e meditação da Palavra de Deus de forma pessoal e comunitária, e deixemos que o Senhor nos fale e oriente nossas escolhas de vida.
E você, qual foi sua experiência marcante com a Palavra? Partilhe conosco pelas redes sociais. Cada partilha é um enriquecimento mútuo.
Que o Senhor nos conceda suas bençãos e sua Palavra nos guie.
O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor te mostre a sua face e conceda-te sua graça! O Senhor volva o seu rosto para ti e te dê a paz! (Nm 6, 24-26)
Sagrada Família, abençoai e santificai as nossas famílias.
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